– Me
conta a história desse livro.
– Oi?
– É,
me conta a história desse livro aí, nunca li Gabriel Garcia Márquez, mas sempre
tive curiosidade.
Com
alguma frequência eu ia visitar meus pais no interior, uma viagem curta, feita
sem qualquer tipo de trauma em um ônibus limpinho e inteiro que saía em dois
horários por dia. Eu sempre comprava a passagem uma semana antes da partida, de
modo que escolhia o melhor lugar, na janela, do lado direito. Às vezes alguém
sentava ao meu lado, mas estatisticamente fui mais vezes sozinha naquela dupla
de poltronas do que acompanhada.
Porém,
naquela noite em que cheguei meia hora antes do ônibus na rodoviária devido a
um erro de cálculo após mais um dia em meu odioso trabalho, um rapaz sentou ao
meu lado. Fazia o tipo nerd desengonçado, cabelos crespos, duas mochilas, uma
em cada braço, e um par de óculos de aros grossos enfiados no meio da cara. Eu
não teria achado ruim se o dia tivesse sido mais generoso comigo. Mas não. Eu
só queria chegar e comer o bolo de cenoura de minha mãe.
– Se
importa se eu ligar a luz? – Ele perguntou assim que o ônibus deu a partida.
Eu
disse que não, já estava prestes a sacar meu livro da bolsa e continuar a longa
leitura de Cem Anos de Solidão, de qualquer modo. Ele estava lendo algum desses
contistas brasileiros que pouco me interessam, mas hoje em dia se o cara souber ler já é uma grande coisa.
Foi
quando ele pediu para eu contar a história do livro.
Quem
é que faz isso? Quero dizer, quem pede para um completo estranho fazer uma
resenha oral de um livro de 364 páginas cuja leitura sequer havia sido
concluída? Pensei em inventar algo ridículo sobre a incrível história do
garotinho órfão que possui um cachorro sem as patas traseiras ou dar na cara
dele com o objeto supracitado, mas é o tipo de coisa que só acontece em minha
mente doentia. Assim como quando estou dormindo confortavelmente em minha cama
num domingo de manhã e algum vizinho imbecil coloca seu aparelho de som no
último volume. Em minha consciência
fértil eu me transformo em Xena, a princesa guerreira, só que em tempos
modernos, e começo a metralhá-lo sem dó.
Naquela
altura, entretanto, eu já estava mais calma. O nariz batatudo do meu chefe já
havia saído de minha memória recente e resolvi contar a história do livro ao
nobre rapaz. Contei tanto que sugeri a ele ler outro livro do Gabo para matar
sua curiosidade acerca do escritor, já que a história desse ele já estava
sabendo quase toda.
Como
não poderia deixar de ser, minha fala o deixou plenamente à vontade para
perguntar tudo sobre a minha vida. Repliquei algumas questões, mas jamais
perguntei seu nome. Eu descobriria no dia seguinte, dando uma olhadinha rápida
nos portais de notícias locais.
Eu
fui a penúltima pessoa que Diego conversou na vida. A última foi o motorista,
um agradecimento por deixá-lo descer no meio da estrada, já que o ônibus não
entrava na cidade onde iria.
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