quarta-feira, 4 de março de 2015

no ônibus

– Me conta a história desse livro.

– Oi?

­– É, me conta a história desse livro aí, nunca li Gabriel Garcia Márquez, mas sempre tive curiosidade.

Com alguma frequência eu ia visitar meus pais no interior, uma viagem curta, feita sem qualquer tipo de trauma em um ônibus limpinho e inteiro que saía em dois horários por dia. Eu sempre comprava a passagem uma semana antes da partida, de modo que escolhia o melhor lugar, na janela, do lado direito. Às vezes alguém sentava ao meu lado, mas estatisticamente fui mais vezes sozinha naquela dupla de poltronas do que acompanhada.
Porém, naquela noite em que cheguei meia hora antes do ônibus na rodoviária devido a um erro de cálculo após mais um dia em meu odioso trabalho, um rapaz sentou ao meu lado. Fazia o tipo nerd desengonçado, cabelos crespos, duas mochilas, uma em cada braço, e um par de óculos de aros grossos enfiados no meio da cara. Eu não teria achado ruim se o dia tivesse sido mais generoso comigo. Mas não. Eu só queria chegar e comer o bolo de cenoura de minha mãe.

– Se importa se eu ligar a luz? – Ele perguntou assim que o ônibus deu a partida.

Eu disse que não, já estava prestes a sacar meu livro da bolsa e continuar a longa leitura de Cem Anos de Solidão, de qualquer modo. Ele estava lendo algum desses contistas brasileiros que pouco me interessam, mas hoje em dia se o cara souber ler já é uma grande coisa.
Foi quando ele pediu para eu contar a história do livro.
Quem é que faz isso? Quero dizer, quem pede para um completo estranho fazer uma resenha oral de um livro de 364 páginas cuja leitura sequer havia sido concluída? Pensei em inventar algo ridículo sobre a incrível história do garotinho órfão que possui um cachorro sem as patas traseiras ou dar na cara dele com o objeto supracitado, mas é o tipo de coisa que só acontece em minha mente doentia. Assim como quando estou dormindo confortavelmente em minha cama num domingo de manhã e algum vizinho imbecil coloca seu aparelho de som no último volume.  Em minha consciência fértil eu me transformo em Xena, a princesa guerreira, só que em tempos modernos, e começo a metralhá-lo sem dó.
Naquela altura, entretanto, eu já estava mais calma. O nariz batatudo do meu chefe já havia saído de minha memória recente e resolvi contar a história do livro ao nobre rapaz. Contei tanto que sugeri a ele ler outro livro do Gabo para matar sua curiosidade acerca do escritor, já que a história desse ele já estava sabendo quase toda.
Como não poderia deixar de ser, minha fala o deixou plenamente à vontade para perguntar tudo sobre a minha vida. Repliquei algumas questões, mas jamais perguntei seu nome. Eu descobriria no dia seguinte, dando uma olhadinha rápida nos portais de notícias locais.
Eu fui a penúltima pessoa que Diego conversou na vida. A última foi o motorista, um agradecimento por deixá-lo descer no meio da estrada, já que o ônibus não entrava na cidade onde iria.

Eram 21h49 quando Diego desceu do ônibus. Eram 21h51 quando Diego achou que seria mais rápido que o caminhão que vinha em sua direção, carregado de tijolos, e conseguiria atravessar a rodovia correndo até a entrada do pequeno município.

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