quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

na frente do espelho

Entrou furiosa apartamento do amigo, se atirou no sofá preto de vinil e acendeu um cigarro. O rapaz não disse nada, nem arriscaria, principalmente pelo estado de visível disposição para matar que ela ostentava naquele momento. Com direito a olheiras profundas e dentes cerrados.

- Falar é fácil, né? - Disse enquanto puxava para mais perto o cinzeiro preto de bola oito adquirido pelo dono do apartamento especialmente para a amiga fumante. - Falar é muito fácil. Qualquer babaca abre a boca e fala. Difícil mesmo é demonstrar, é sentir de verdade.

O amigo, que até então não havia dito uma palavra, interrompeu a organização da sua gigantesca coleção de DVDs e virou-se para ela.

- Você parece uma idiota às vezes.

Já acostumada com a sinceridade do rapaz, apenas franziu a testa e fitou-o com desconfiança.

- Por quê?

- Eu te conheço desde que você nasceu, e desde que você deixou de ser uma adolescente que usa tênis jeans, você sempre conseguiu todos os homens que quis. Todos. Quando você sai pra balada só falta formarem uma fila indiana na porta do banheiro. E agora tá aí, choramingando por um cara que aparentemente só gosta de você quando não encontra nada mais satisfatório na noite.

A garota esmagou o cigarro na parte metálica do cinzeiro, pegou a bolsa, respirou fundo e abriu a porta. Encarou seu amigo por alguns segundos e pensou na quantidade de gente que paga horrores por um psicólogo. Fechou a porta sem fazer barulho e saiu em direção ao elevador.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cold War Kids - Louder than ever

Dessa vez não tem diálogo nenhum. Eu apenas estou em um relacionamento superintenso com o Cold War Kids.
Quando eu estava triste, querendo arrancar os olhos lacrimejantes da minha cara, Cold War Kids foi muito conveniente. Quando eu estava feliz devido a uma boa notícia, Cold War Kids também foi conveniente.
E, por fim, certo dia quando revirei meu iTunes de cima a baixo não sabendo o que ouvir, Cold War Kids estava lá mais uma vez sendo conveniente.


Tipo um Louboutin preto.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

a estratégia de alex

Eu não lembrava há quanto tempo havia devorado um livro com tanto fervor. Provavelmente foi quando li o Auto, ou Misto Quente. Eu estava realmente enjoying de um modo selvagem chegar em casa e encontrar o Alex Antunes dissecado em sua ficção quase nada ficcional, A Estratégia de Lilith. Aliás, Alex não escreveu o livro sozinho, como faz questão de lembrar. Ele escreveu com a ajuda de Sish. Uma moça que vive dentro dele.
Como se sua vida precisasse de ainda mais mirabolância, mudou algumas coisas aqui e ali. Trocou alguns nomes, inseriu alguns personagens peculiares, se excluiu de algumas situações e se introduziu em outras. Tudo devidamente explicado em terceira pessoa entre um episódio bizarro e outro. Por fim, entupiu de referências musicais & cinematográficas. Pra mim quase bastou.
É São Paulo na década de 90. Quando CDs recheavam prateleiras de tipos como Alex e computadores eram menos utilizados para atividades online e mais para... bem, para escrever livros autobiográficos sobre uma vida regada à álcool, chás alucinogénos e sexo com prostitutas dentro de estrelas de amendoim (ou nozes) em apartamentos na Rua Augusta.
Pouco comum para um ser humano normal, mas completamente dentro dos padrões da curiosa espécie animal denominada "jornalista de música", Alex é de uma simplicidade cômica e brilhante em sua Estratégia. Estranho e estranhamente parecido com a vida, já diz a orelha.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

caixa de pandora

Estava distraída com cerca de três atividades aleatórias inúteis e prestes a receber uma ligação de prefixo distante, quando minha irmã apareceu no meu quarto com uma caixa de madeira, devidamente fechada e coberta por um pó amarronzado.
- Pega isso. Tava no meio das minhas coisas.
Dentro daquela merda estava a minha adolescência. A minha adolescência em forma de umas coisas bizarras, tipo um sabonete Lux com o preço (90 centavos) em cima, um shampoo de hotel, umas medalhas de honra ao mérito enferrujadas e um anel.
O sabonete, lembrei depois, ganhei de presente quando comia alguma coisa velha em uma padaria no centro de Rio do Sul, em dezembro de 2006. "É tradição", tinha dito o meu amigo segundos após arremessar o objeto em direção ao meu prato e ver a minha cara de espanto. Nunca mais tive notícias do rapaz, não sei se isso tem a ver, mas o sabonete continua guardado.
O shampoo de hotel é uma lembrança da única vez que fui para São Paulo, em outubro de 2004, com uma excursão bizarra com pessoas bizarras de um curso de manequim-modelo-fotográfico bizarro. Eu tinha 14 anos e perdi todo o meu dia no PlayCenter porque os guris mais velhos convidaram eu e umas amigas para beber um negócio verde e leitoso na noite anterior e eu fiquei de ressaca. Catorze anos.
As medalhas eram das inter-séries do colégio. Eu jogava futebol da quarta até a sétima, quando fiz um gol contra em um campeonato entre escolas e resolvi me aposentar, tipo o Ronaldo. Mas só oito anos depois eu descobri que tinha hipotireoidismo. O que obviamente não vem ao caso agora.
Como se todos esses objetos e suas procedências já não tornassem a minha adolescência suficientemente bizarra, ainda temos o anel. O anel.
Coloquei no dedo e tentei lembrar de onde era aquele anel que ficava folgado demais para mim. Fucei em algumas fotos, agendas, cartas, cartões e bilhetinhos que estavam na caixa e lembrei. Pertencia a um amigo-ficante. Um ficante que era amigo e depois de não ser mais ficante voltou a ser amigo. Algo assim. Pouco menos de dois anos após me presentear com um de seus vários anéis, o rapazinho resolveu que não servia para esse mundo e partiu, aos 17 anos, em novembro de 2006.
Daí o meu celular tocou, era o prefixo distante. Coloquei aquele monte de tralha de volta na caixa e mandei minha irmã devolver pro lugar onde ela tinha encontrado. Só vou voltar a abrir aquilo daqui a 10 anos. Até lá espero ter bebido o suficiente para não lembrar a procedência dos objetos em questão.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ele nem deve saber, mas é todinho feito de detalhes apaixonantes. E deve saber menos ainda que observo-os embevecida e depois fico lembrando enquanto espero pela sua volta em dias que parecem se arrastar.
Poderiam passar batidos por qualquer pessoa, mas não por mim.
Tipo quando ele me conta sobre algo que escreveu e se enrola um pouco pra encontrar as palavras que vão me fazer entender o que quer dizer. Ou o jeitinho que ele ficava sentado na cama, com o queixo apoiado no joelho, enquanto esperava o notebook dar sinal de vida. E o modo tão natural como ele trata as coisas, sempre tão prático, tão simples, sem cerimônia alguma.
E tem também o sono mais silencioso que eu já presenciei. Não fosse por sempre me envolver com seu braço direito quando percebe que estamos muito afastados, eu acharia que estava dormindo sozinha. Ou o sorriso que me presenteia quando abre os olhos e vê que já estou acordada. Os mesmos olhos que em nano segundos voltam a se fechar para outros longos minutos de sono.
E o modo como ele é sempre ele mesmo, em todas as circunstâncias. A mania de confessar coisas quando bebe demais e a de enrolar os pelinhos da perna quando está impaciente ou um pouco nervoso. O rostinho sério quando está concentrado em algo importante e o modo como deixa extremamente bem feito tudo o que faz.
E principalmente a capacidade de me surpreender todos os dias.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

diálogos

- Tá rindo de quê?
- Não sei. Tô me sentindo um adolescente aqui, sentado nesse banco com uma guria.
- Bom, nem faz tanto tempo que deixei de ser uma adolescente, e caras da tua idade ultimamente são mais adolescentes do que os próprios adolescentes.
- É, mas as mulheres amadurecem mais cedo.
- Eu até lembro da última vez que fiz isso. Deve fazer uns 4 anos. E deve ter sido num desses bancos. Nesse, ou naquele ali.

...

- A gente só faz programa de índio, né? Ontem tu tava se sentindo um adolescente. Agora estamos aqui, há horas debaixo desse troço esperando a chuva passar.
- É, eu preferia estar me sentido um adolescente de novo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

before and after

A garota nem tinha percebido, mas desde que havia colocado os pés naquele lugar, o rapaz tímido de cabelos claros não parou de observá-la. Mesmo nunca tendo ido naquele bar antes, o clima era familiar para ela, que conversava animada com os outros músicos da banda, como de costume. O rapaz tímido e arredio, que lançava olhares disfarçados, teve certeza que um de seus companheiros seria o sortudo que ficaria com a bela ao fim da noite.
Ela havia saído de casa sem o menor interesse de se envolver com alguém. Só queria se divertir e esvaziar o máximo de garrafas que seu estômago aguentasse. Ela adorava aquela banda, conhecia o vocalista e aproveitou para interagir com o restante do séquito. Costumava ser sempre bem-vinda naquelas ocasiões, os befores and afters.
O rapaz sequer ousou tentar alguma aproximação. Ela parecia entretida demais conversando com o resto do grupo. Talvez estivesse mesmo interessada em algum deles, embora não demonstrasse isso explicitamente a nenhum. Será que era o Rafael? Teve uma hora que ela foi falar sozinha com ele... Mas agora parecia não estar mais dando muita bola.
Olhando assim, de cima do palco, ela parecia ser a pessoa que mais se divertia naquele lugar. Mesmo que o restante do público não parecesse muito menos insano. Mal esvaziava uma garrafa e uma nova já estava cheinha em suas mãos. Sabia todas as letras, abraçava algum de seus amigos nas músicas de que mais gostava e não parecia interessada em nada além do som que ouvia e da cerveja que bebia.
Após o show, surgiu com mechas dos cabelos curtos coladas no rosto suado e parabenizou-os pela performance incrível e saiu em busca de um lugar para sentar. Talvez estivesse esperando pela próxima banda. Não havia mais ninguém perto dela, seus amigos pareciam distraídos com algo que não lhe causava o menor interesse. Então o rapaz, agora menos tímido, decidiu se aproximar.
Ela mal havia notado a presença do simpático guitarrista durante toda a noite, embora obviamente soubesse de sua existência. Lembrou que ele parecia meio distante enquanto tivera a animada conversa com o restante da banda antes do show. E agora ele tinha chegado ali, do lado dela, como se a tivesse visto só naquele momento. Puxou uma cadeira para perto, sorriram, trocaram algumas palavras e muitos olhares.
Vinte minutos mais tarde não havia quem conseguisse tirar a moça dos braços daquele rapaz - que até então ninguém havia reparado na presença - e levá-la para casa.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

diálogos tuíticos

Eu e Marcelo no Twitter, há algumas semanas:

@spiritabandoned: don't make me a target, don't make me a target, no don't make me a target


@spiritabandoned: esse Ga ga ga ga ga tem que ser o disco mais subestimado da década passada. só tem som delícia S2

@julie_me: posso preferir o Transference ou apanho na cara?

@spiritabandoned: pode, só porque Goodnight Laura é muito amor

Ouvindo o Ga ga ga ga ga com todo amor que tenho em meu coração, comecei a ficar confusa. É verdade, Marcelo, tirando Ghost of you lingers, só tem som delícia. Não sei mais se prefiro o Transference. Spoon é foda demais.

Meu último diálogo musical via Twitter com o Marcelo foi uma discussão pouco amistosa sobre o fim do LCD Soundsystem, que não vou reproduzir aqui pelo uso excessivo de palavras de baixo calão.

E agora o vídeo, claro. Não achei nenhum decente do Spoon tocando Don't make me a target, mas The Underdog também é do Ga ga ga ga ga, e, porra, eles tocando essa obra-prima no David Letterman, com aqueles metais todos, me deixa nua aqui. Ó:


O Britt Daniel é o cara mais improvável que eu já quis casar.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

a pagadora de pecados

Assim que minhas férias foram embora, uma nuvem gorda e negra passou a habitar meu céu, perambulando comigo dia e noite, todos os dias. Começou no primeiro dia de trabalho, como se o primeiro dia de trabalho depois de um mês e meio de férias já não fosse desanimador o suficiente. O coordenador do meu curso recebeu dos seus superiores a informação de que eu teria que me formar ao fim deste pujante 2011, seis meses antes dos meus planos concretos, gravados em pedra desde 2008.
Antes de eu tentar rachar minha testa arremessando a cabeça contra aquelas paredes de tijolos à vista, tentei resolver o problema. Mas eu tinha outro tão sério quanto aquele para resolver no mesmo instante. A mensalidade da minha matrícula tinha vencido no dia anterior e minha progenitora não havia pago o nada modesto valor. O lapso veio seguido de uma também nada modesta multa para que eu pudesse pagar a matrícula assim que liberassem a impressão do novo boleto. Eu ainda não consegui pagar, pois a burocracia amarrou minhas mãos nos meus pés e me amordaçou.
Isso tudo aconteceu no mesmo dia em que o responsável pela minha felicidade infantil durante todo o mês de janeiro foi viajar para muitos quilômetros longe de mim, um dia após ter destruído seu notebook e ficarmos parcialmente sem comunicação. O que me deixou aliviada foi que ao fim disto, ao invés de cair uma pesada bigorna sobre a minha cabeça, caíram apenas uns pingos de chuva. Eu estava sem guarda-chuva, obviamente, como não poderia deixar de ser.
Dias depois, meu computador estragou. Poderia ter sido qualquer problema. Poderia ter sido vírus, poderia ter sido a placa de vídeo, poderia ter sido até a placa mãe. Mas não. O problema teve que ser no HD mesmo, porque não bastava eu ficar um fim de semana sem o meu computador, eu deveria mesmo era perder todas as minhas cinco mil músicas, todas as fotos da minha adolescência vergonhosa e feliz, todos os meus textos. Tudo.
Agora aqui estou eu, com um notebook emprestado torrando minhas pernas e com medo de sair na rua e ser atropelada por um urutu do Exército Brasileiro.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

uma banda tipo inglesa

Do dia 16 de dezembro de dois mil e dez ao dia 31 de janeiro último, eu era uma pessoa ociosa que passava madrugadas a fio fuçando o Last.fm atrás de novas bandas. Sou uma empedernida descobridora de bandas inúteis, quase todas muito parecidas entre si, mas amo todas, quero ouvir todas pra sempre. Uma das mais simpáticas que conheci foi a Eight Legs, que é inglesa, obviamente. Seus integrantes ainda nem saíram da puberdade e se vestem como todos os roqueiros ingleses moderninhos - para meu deleite -, mas o som é divertido pra cacete.
Antes de sugerir que você dê play no vídeo abaixo, vale lembrar que não há nada de muito inovador, mas os clipes deles costumam ser bem bacaninhas. Ó:

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

I (heart) iTunes

Esse tal de iTunes é trimassa. Há uns três anos já haviam tentado me convencer a largar aquele troço arcaico que é o winamp e começar a usar o iTunes. Fiquei com preguiça e nem tenho iPod anyway. Dessa vez não tentaram exatamente me convencer, mas fuçando aqui e acolá em notebook alheio, fiquei com vontade de ter.
Agora ele habita meu personal computer há dois dias e eu estou achando lindo. Lindo e bagunçado. Esse troço é inteligentinho demais e separa todos os discos, que lá estão em pencas com seus nomes todos errados, e eu fico aqui horas-dias-semanas-anosluz tentando organizar tudo. Ainda tá uma zona, mas é um negócio legal pra cacete. Tive que excluir um monte de programas pro meu computador não morrer com o peso do bichinho, mas who cares, o troço é legal pra cacete.
Junto com o iTunes, uma montoeira de músicas estranhas também passou a habitar meu computador. Elas vieram no meu pendrive, quando deixei-o passando uma temporada em Florianópolis. Músicas escolhidas a dedo. Pois é.
Estou ouvindo Caetano Veloso. Não agora. Agora estou ouvindo um tributo ao Odair José, muito bom, por sinal. Mas tem Caetano Veloso aqui. Tem Barão Vermelho também, e Ronnie Von, e Tony da Gatorra, e Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta. E mais um monte de coisa que eu pedi porque não tinha. E umas coisas que possivelmente foram colocadas ali somente pra tirar uma com a minha cara. E nem estou falando da Revista Proibida do Odair José, você que encheu meu pendrive e deve estar aí rindo da situação agora. É.
Bem, vou ali porque o iTunes está fazendo uma parada estranha com os discos do Kinks e do Hollies.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

o que é a realidade, afinal

As marcas não haviam ficado só na pele, constatou assim que se viu tão sozinha como há tempos não lembrava ter se sentido. Enxugou as lágrimas inúteis, mas não adiantava mais. Junto com os efeitos da insônia, acordaria com olhos tão inchados capazes de assustar até o mais desatento cobrador do ônibus amarelo. Depois tentou lembrar quando foi a última vez que havia acordado daquele jeito. Até que fazia sentido.
De volta à realidade, composta por tijolos à vista e ar-condicionados barulhentos, o mundo tentava não se mostrar tão cruel. O vazio podia ser enganado com três reuniões de trabalho e meia hora gasta imprimindo currículos de estagiários que nunca serão contratados.
O mundo realmente não estava parecendo tão cruel, afinal. Em questão de minutos ele havia até substituído o sol que castigava por uma chuva tipo aquela que caiu durante o fim de semana, a vários quilômetros dali.