segunda-feira, 28 de março de 2011

a vila

Estavam os cinco ao redor da mesa de madeira capenga devorando o macarrão feito pela única garota do grupo como se aquele fosse o último dia de suas vidas. Os assuntos do jantar - servido por volta das duas da madrugada - variavam entre qual era a melhor fase do Pink Floyd e quem dos cinco iria preparar os béques com o que sobrou da erva que os havia deixado naquela fome descomunal.
As cervejas já estavam no fim, de modo que quando aquilo terminasse não haveria mais nada para fazer naquela vila de pescadores completamente deserta no pico do inverno. Se ao menos estivesse calor eles poderiam correr nus pela ruazinha de areia que dava direto para o mar sem ondas daquela maldita praia.
Se alguém passasse mal ali, morreria, sem sombra de dúvidas. Não havia qualquer sinal de civilização num raio de 20 quilômetros. As casas de veraneio ficavam fechadas, com as luzes ligadas - e às vezes até um rádio velho - na esperança de espantar os arruaceiros que por lá circulavam usando drogas durante inverno. Não se travada deles, é claro. Ao menos a parte dos arruaceiros invasores de casas. Eles não invadiam casas. Só fumavam maconha pra caralho e comiam macarrão com atum também pra caralho.
Os pratos sujos foram empilhados sem que qualquer um dos cinco pensasse na possibilidade de eles serem lavados em algum momento. Foram para o quintal gelado, deitaram sobre a grama que já estava ficando coberta por flocos de geada e esperaram que os últimos dois cigarros de maconha fossem confeccionados. O conteúdo das garrafas verdes, que sequer precisavam ser conservadas em geladeira, era esvaziado enquanto o trabalho era feito.
Acordou na manhã seguinte com um silêncio perturbador, a garota de cabelos avermelhados. Não tinha a mínima ideia de como havia parado naquela cama, com um cobertor até o pescoço e uns pedaços de grama colados na calça jeans. Foi até a cozinha, os pratos ainda estavam lá do mesmo jeito. Na sala algumas garrafas misturavam-se à decoração rústica da casa, e na garagem, nem sinal do peugeot prata que os havia trazido até ali.
Seus quatro amigos tinham sumido misteriosamente para todo o sempre. Já pensava em algumas formas de pedir socorro, já que não fazia a mais vaga ideia de onde estava seu celular. Escrever Help na grama com os tocos de lenha que o avô de seu amigo estocava nos fundos da casa, ao lado da churrasqueira, ou talvez as lenhas pudessem servir para fazer sinal de fumaça, quem sabe. Desejou a morte lenta e dolorosa de cada um deles e pensou em como diabos eles tiveram coragem de abandoná-la ali no meio daquela não-civilização onde teria que sobreviver dos peixes que pescaria.
Então ouviu o ronco de um carro aparentemente atolado na areia pastosa da ruazinha em frente à casa. Correu desesperada em direção à porta para ver se ao menos estava destrancada e viu um bilhete colado com alguma substância gosmenta que ela não soube identificar.
Fomos comprar café.

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